Luís Perez
Revista Quatro Rodas – 07/2009
Em pouco mais de cinco dias um ciclista é vítima de acidente no trânsito de São Paulo. Em um ano como 2008, significa que 69 pessoas perderam a vida ao usar a bicicleta como meio de transporte. Não é pouco, mas é o menor número nos últimos quatro anos - foram 93 mortes em 2005, 84 em 2006 e 83 em 2007. A tendência de queda é quase um paradoxo diante do pobre histórico de políticas públicas colocadas em prática. A prefeitura alega estar fazendo sua parte e projetando novas ciclovias. Pesquisas indicam que a frota atual de bicicletas é de 3 milhões, a maior parte guardada na garagem dos paulistanos.
Já faz três anos que o governo municipal criou um grupo batizado de Pró-Ciclista, reunindo representantes de vários órgãos, incluindo as secretarias de Transportes e do Verde e Meio Ambiente. Na época, segundo a prefeitura, havia 19 km de ciclovias em parques municipais e resquícios nas avenidas Sumaré e Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste. Hoje existem novos 14,8 km construídos em vias como a Radial Leste e outros 16,1 km em obras. A meta é chegar ao fim de 2012 com mais de 100 km de ciclovias e ciclofaixas construídas. Será um salto significativo em relação aos atuais 33,8 km, mas ainda uma gota no oceano da malha viária paulistana, com seus 15000 km de extensão. "A questão é que não há ciclovias para uso cotidiano, apenas para lazer dentro de parques", afirma Ismael Caetano, presidente do Instituto Parada Vital, ONG que visa desenvolver meios de transporte não-poluentes.
Até esses projetos se concretizarem, quem se aventura a trocar o automóvel por uma bicicleta segue essa expressão ao pé da letra. Enfrentar motoristas nem sempre amistosos é apenas um dos problemas. "Vejo o esforço de alguns motoristas em diminuir a velocidade, abrir espaço para eu passar. Mas há muitos trechos em que é simplesmente impossível trafegar e não há outra saída a não ser ir pela calçada", diz a estilista Juliana Páffaro, 31 anos. Sempre que pode, ela pedala de casa, no Alto de Pinheiros, até sua loja, na Vila Madalena, em um trajeto de 3,3 km. Nos fins de semana, costuma ir ao Parque Ibirapuera, a 10 km de distância, e vê a dura realidade da carência de infraestrutura para as bicicletas. "A ciclovia desaparece, surge um ponto de ônibus no meio do caminho. Ou a calçada não é rebaixada", afirma.
Quem usa a bicicleta diariamente como meio de transporte já se acostumou às tensões do itinerário, como o web designer Rodrigo Tammaro Matioli, 30 anos, que pedala entre as avenidas Rebouças e Luís Carlos Berrini, onde fica seu escritório. "Fora a falta de segurança e de estrutura, o grande problema é não ter onde tomar banho nem onde estacionar a bike", diz. Para ele, a solução foi contar com a ajuda do zelador do prédio, que também é ciclista, e usar o chuveiro dos funcionários antes de entrar no escritório.
DO VOLANTE AO GUIDÃO
Se problemas como estacionamento e vestiário dependem de soluções pontuais, a questão da segurança é responsabilidade do poder público e de qualquer pessoa envolvida com o trânsito. Por outro lado, no setor privado, uma das iniciativas mais bem-sucedidas é o UseBike, programa lançado pela Porto Seguro em parceria com a rede de estacionamentos Estapar. Clientes da seguradora podem deixar o carro e alugar uma bicicleta grátis em uma das sete unidades participantes, todas na região da avenida Paulista. Se preferir, pode ir com a própria bicicleta e estacioná-la no local. O programa foi ampliado para estações do metrô e aberto a outros usuários. A primeira hora é grátis e a partir da segunda são cobrados 2 reais por hora. "Para a retirada, é preciso ter uma aprovação no cartão de crédito de 350 reais, como caução", diz Tanyze Marconato, coordenadora de marketing da Porto Seguro.
Segundo ela, a grande inspiração para o projeto foi a experiência de prefeitura de Paris (leia ao lado). Hoje, o UseBike conta com 22 bicicletários em estações de metrô - 15 oferecem o empréstimo de bikes e locais para estacionamento, enquanto outros sete têm locais apropriados para deixá-las presas por correntes. Mais de 7000 pessoas já se cadastraram no programa e fazem, em média, 4000 empréstimos por mês. Iniciativas assim só mostram que as bicicletas vão ocupar cada vez mais espaço no trânsito de São Paulo.
CARÊNCIA NACIONAL
Os paulistanos não estão sozinhos na aventura de trocar o carro pela bicicleta. "A falta de ciclovias e de interligação entre elas se repete em todas as grandes cidades brasileiras", afirma Silvio Médici, presidente da Associação Brasileira de Monitoramento e Controle Eletrônico de Trânsito (Abramcet), que estima haver no Brasil 60 milhões de bicicletas e só 2500 km de ciclovias. Entre as capitais, o Rio de Janeiro se destaca, com 79 km. Belo Horizonte tem 22 km - metade na Lagoa da Pampulha. Em Porto Alegre, a prefeitura separa uma faixa de trânsito para bikes, mas apenas nos domingos e feriados.
BIKE POPULAR
Há dois anos, Paris criou um programa que se tornou referência na inserção de bicicletas no transporte urbano. A rede do Vélib (corruptela de vélo, que significa bicicleta, e liberté, liberdade) soma 1500 locais e mais de 20000 bicicletas à disposição de qualquer pessoa. Basta ter um cartão de crédito e contratar o serviço por dia (1 euro), semana (5 euros) ou por um ano (29 euros), mais uma garantia de 150 euros. A primeira meia hora de uso é gratuita. A partir de então, paga-se 1 euro para a primeira, 2 euros para a segunda e 4 euros a partir da terceira hora adicional. A bicicleta tem buzina, farol e uma cesta para o transporte de pequenos objetos.
NÚMEROS:
- 33,8 km é a atual rede de ciclovias em São Paulo
- 16,1 km estãoem construção
- 112,9 km têm projeto feito pela prefeitura
- 3 milhões é a frota estimada de bicicletas da capital
- 7000 pessoas estão cadastradas no serviço UseBike do metro
- 22 estações emprestam as bicicletas ou têm bicicletários
- 4000 bicicletas são emprestadas todo mês pelo programa
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